A Juíza Que Não Contava Histórias




Por Maria João Vaz Tomé

Eu nunca me considerei uma contadora de histórias. Sempre fui mais do tipo que prefere os fatos, a lógica e a razão. Mas, depois de anos no tribunal, comecei a perceber que as histórias desempenham um papel crucial na administração da justiça.

Cada caso que entra no tribunal é uma história única, uma narrativa de eventos e experiências que moldaram a vida das pessoas envolvidas. E é através dessas histórias que conseguimos entender verdadeiramente a essência do que aconteceu e tomar decisões justas.

Lembro-me de um caso em particular que me marcou profundamente. Tratava-se de uma mulher que havia sido acusada de matar o marido. Inicialmente, ela negou qualquer envolvimento, mas à medida que a investigação avançava, descobriu-se que ela estava tendo um caso e que havia planejado o assassinato.

Durante o julgamento, a mulher contou uma história diferente, alegando que agiu em legítima defesa. Ela disse que seu marido era abusivo e que ela temia por sua vida. Embora suas afirmações fossem plausíveis, não havia evidências para apoiá-las.

No final, a mulher foi considerada culpada de homicídio. Mas, enquanto a sentença era proferida, não pude deixar de pensar na história que ela havia contado.

Mesmo que não fosse verdade, aquela história me ajudou a entender sua motivação e as circunstâncias que levaram ao crime. Sem ela, eu não teria sido capaz de avaliar o caso com a mesma profundidade e compaixão.

As histórias têm o poder de humanizar as pessoas e seus atos. Elas nos permitem ver além dos fatos frios e conectar-nos com as lutas e aspirações dos outros.

Como juíza, aprendi que ouvir e valorizar as histórias é essencial para fazer justiça. Pois, no final das contas, a lei não se trata apenas de regras e punições, mas também de compreender as histórias que moldam nossas vidas.