"A periferia não precisa ser traduzida"



Reproduzimos aqui a matéria "A periferia não precisa ser traduzida" da edição 188 do mês Maio do Jornal A Nova Democracia.

Provocou certa polêmica a publicação da pesquisa “Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo”, produzida e divulgada pela Fundação Perseu Abramo no último dia 25 de março. O amplo espectro de posições políticas eleitoreiras se alvoroçou, desde os grupelhos mais à direita, como o MBL, até tendências que se definem como de “esquerda” dentro do próprio PT. A bem da verdade, todos chegaram a uma mesma conclusão: os pobres são de direita.

E enquanto alguns como Elio Gaspari e Delfim Neto se rejubilam com essa falácia, considerando-a um triunfo contra o que chamam de “esquerda”, o PT e outros oportunistas eleitoreiros se ressentem da “ingratidão” do povo.

A pesquisa tinha como objetivo “reunir conhecimento que colabore para reflexão e atualização do projeto político do PT, bem como para fortalecer a disputa de valores na sociedade”.

As entrevistas foram realizadas na periferia de São Paulo, em regiões nas quais o PT vinha vencendo eleições desde o início dos anos 2000, mas onde conheceu derrotas nas farsas eleitorais de 2014 (reeleição de Dilma) e 2016 (derrota de Haddad para a prefeitura).

Aos revolucionários e verdadeiros democratas, o resultado que interessa é o óbvio:

• as gerências petistas fracassaram miseravelmente nas tentativas de corporativizar as massas mais empobrecidas;

• sua força auxiliar e tida como aliada nesse intento, as seitas neopentecostais, cresceram;

• o discurso supostamente “liberal” (consumista e meritocrático) dos entrevistados não são mais que o fracasso do Estado em prover serviços mínimos e das políticas focalizadas das gerências petistas; e

• a identificação do velho Estado como inimigo do povo.

Chama a atenção, sobretudo referente a esse último dado, que na pesquisa não conste nada sobre o genocídio da juventude promovido pela polícia e que aterroriza os bairros pobres. Aos que presidiram a repressão sobre o povo por 13 anos talvez não interesse mesmo saber os reais motivos de sua rejeição.

OS INFIÉIS

É inegável que as recentes derrotas do PT são tratadas como ingratidão por grandes setores do partido. Menos, claro, pela alta burocracia dirigente, afundada no entreguismo e na corrupção, que pensa saber muito bem o que está fazendo.

Os desapontados não se conformam de as pessoas não serem eternamente gratas pelas políticas focalizadas e caritativas ampliadas pelas gerências petistas ou pelo gigantesco endividamento induzido pela estimulação do consumo através do crédito fácil.

Um comentário feito em uma rede social ilustra esse sentimento. Em resposta a um artigo comentando a pesquisa, um leitor que “não reconhece governo golpista” escreveu: “Desculpas sinceras ao mestre, mas ‘o povo é esperto’? Onde? Um povo que elegeu Dória e Alckmin em primeiro turno? Sem falar no Tiririca e outros. O ‘povo’ (não todos, é claro) é ignorante, egoísta, preconceituoso, mesquinho, estúpido e por aí vai. Senão não seríamos o Brasil que estamos vendo”.

Em termos mais educados, o presidente do Instituto Perseu Abramo, Márcio Pochmann, em entrevista ao Instituto Humanitas da Universidade do Vale dos Sinos (IHU-Unisinos), se manifestou assim:

"Estou descrevendo como foi,ou seja, as pessoas em vez de entenderem que o que aconteceu no Brasil foi um projeto político em curso, entenderam o contrário: que foi o resultado individual de uma opção delas."

(...)

O inimigo é o velho Estado

O nada surpreendente (para quem realmente luta por uma nova democracia) resultado mais relevante é que a população da periferia de São Paulo não identifica - no espectro eleitoreiro - a dicotomia entre "esquerda" e direita, mas sim que a contradição se situa entre o povo e o velho Estado.

Portanto, é claro como água da fonte que a população da periferia de São Paulo (e do Brasil todo) não vê diferença entre as siglas do Partido Único que se debatem em lutas cada vez mais agudas para gerenciar o velho Estado. Para o povo, essa sabedoria é fruto de gerações submetidas à opressão. Para os responsáveis pela pesquisa, essa percepção é fruto de manipulação pelo que chamam de "mídia".

Contrapondo com esse dado, e questionado se isso não seria um comportamento de direita da população, Márcio Pochmann, em entrevista ao Instituto Humanitas da Unisinos ( IHU-Unisinos) saiu-se com essa:

"Assim, não acredito que possamos identificar, nesses valores, apenas tão somente uma vertente liberal, porque há uma crítica contundente ao Estado, que não é necessariamente feita pelos liberais, mas sobretudo, pelos anarquistas." E segue uma descrição enviesada sobre o que ele pensa que é o anarquismo.

Ou seja, na perspectiva do oportunismo, que a todo custo tenta salvar o velho Estado de grandes burgueses e latifundiários serviçais do imperialismo e seu sistema eleitoral, o resultado da pesquisa só pode revelar que o povo é de direita ou está nas mãos do anarquismo.

Algo que essa gente não deve ignorar, mas que se gesta, lenta e inexorável como fogo de monturo, nas periferias e no campo do Brasil, é uma força que irá varrer esse velho Estado e todos os que lhe dão qualquer suporte, como esses sabujos que vivem de gritar "golpe!" , mas se unem aos "golpistas" para dar sobrevida ao sistema eleitoral.

E essa força não terá nada de anarquista, mas será dirigida por um partido da classe operária, para a construção de novo Estado de Nova Democracia.